Onipresença blues

a menininha tomou sorvete, lambuzou
a roupa de domingo.

uma estrela a dez mil anos-luz explodiu e os teus olhos
não verão o arrebatamento
desta morte.

a folha seca caiu no colo
da criança que brinca com o mundo inteiro e
alguns insetos.

o bafo podre exala
pelos dentes podres de um poeta esfomeado.

os cães disparam, defecam felizes entre os carros.

um suicídio acabou de acontecer
atrás da porta.

as calçadas carregam rachaduras, amores,
histórias repetidas.

aquele garoto ganhou o primeiro fora
do resto
da sua vida.

uma canção delicadamente
suja
espanca
as paredes da sala.

tua mágoa é minha mágoa,
teu sorriso é um pacote no meu bolso.

tem contas atrasadas sobre a mesa de jantar.

o silêncio brota na poeira condensada
dessas unhas,
dentro das revistas descartadas.

o carteiro não apareceu hoje.

amanhã pode ter feijoada com farofa.

alguém acabou de morrer sozinho numa cama de pulgas.
alguém acabou de nascer no chão imundo de um ônibus.
alguém acabou de se espatifar num poste.
alguém acabou de estender a mão suada.

o universo ainda pode
aprender a nos suportar aos pouquinhos.

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